A dedicatória


Embrulhei o livro num pedaço de papel craft, daqueles meio amarelados. Amarrei como se fosse um pedaço de queijo e deixei lá, no pé da porta da casa dela. Não queria impressionar e precisava deixar isso bem claro logo de início. Fiquei olhando de longe, esperando que ela chegasse e desembrulhasse o livro ali mesmo. Ou, sei lá, só pegasse.
Estávamos há tanto tempo sem ser ver. Quanto anos? Não lembro. Não podia deixar que ela pensasse que eu queria amenizar os erros que cometi, a falta que sei que fiz. Se ela pensasse isso por algum segundo, não pegaria o pacote. Não abriria o livro. E ela precisava abrir aquele maldito livro. Precisava.

Acendi um cigarro e fiquei lá, do outro lado da rua, esperando. Me arrependi por alguns segundos - poucos - por não ter um daqueles celulares cheios de coisas estúpidas pra poder passar o tempo. Mas aí lembrei que eu tinha cigarro. Fumei o maço todo. Fazer o quê? São os efeitos colaterais da vida.

Estava quase anoitecendo quando ela chegou. Meu coração doeu como se fosse parar. Ela parecia cansada. Aliás, parecia morta de cansada.



Não, eu não estava só cansada. Eu estava extremamente deprimida. Não havia uma razão específica, óbvia, aparente para minha tristeza. Talvez, fosse o simples e sólido peso da existência. Sentia que piscava como se fosse dormir a qualquer momento. Enfim, estava cansada, também, de fato.

Tirando as chaves da bolsa, tropecei em um pacote. Parecia um pão caseiro embrulhado. Não lembrava de ter pedido nada. Só me restou levar o embrulho para dentro de casa e, bom, abri-lo. 

Deixei as chaves, o casaco, a bolsa e a roupa toda em cima da mesa da sala. Deitei, tentando liberar toda raiva que estava sentindo. "Relaxa, tá tudo bem", pensei enquanto me permitia chorar e expurgar todo aquele lixo emocional. Dormi um pouco.

Acordei e, por uns segundos, senti que tudo estava maravilhosamente bem, mas fui engana pela minha própria mente. Levantei e decidi preparar alguma coisa pra comer, quando lembrei do pacote.

Sentei à mesa e, com uma tesoura, cortei os nós. Era um livro. "Carlos Drummond de Andrade". "Antologia poética". Meu coração doeu como se fosse explodir. Era ele, era do Gabriel. Com toda a certeza da vida, era. Abri e li cada palavra com dezenas, e depois centenas, de lágrimas no rosto. Dizia:

Ana,
meus versos são mais tristes sem você
sou um bosta, mas seguirei te amando
sempre

Sem dúvidas, era dele.