Cacos e pazes

Foto do seriado "Hindgiht"
Quando eu tinha sete anos minha tia se separou. Eu ouvi minha avó dizendo que briga de casal,  fim de casamento, era a pior coisa que podia acontecer. Todo mundo concordou. Disseram, que a gente sofre muito. Que nada faz passar. Então eu sempre estive preparada para quando isso acontecesse. O que diria, para onde iria, para quem ligaria e até o que ia beber no fatídico dia.

Eu tinha lido muitas coisas sobre fins de casamentos:  por que acontecem, o tempo médio da duração dos relacionamentos e até os melhores lugares para ir quando seu casamento terminasse. Mas tudo isso era sobre o meu casamento. Não o de outras pessoas. 

Carolina era minha prima e também uma das minhas melhores amigas. Eu digo, era. Uma bobeira, um piscar de olhos, um lapso, e nunca mais nos falamos. Alguém me disse que ela tinha ficado com um menino que eu gostava. Eu fiquei morrendo de raiva por isso, e ela por eu ter desconfiado. Duas adolescentes cheias de razão. Nós paramos de andar juntas. Cada uma para o seu canto. Nas festas de família havia cumprimento, risadas, fotos posadas.  Mas nunca tivemos a conversa. Nunca falamos sobre isso. Passamos por cima com um trator e todos os cacos daquela história ficaram enterrados por baixo dos nossos sorrisos forçados.

Eu não sabia bem o que dizer. Era para ser um chá de panela. Era uma festa fúnebre. Todos estavam reunidos ali para presenciar a morte de um sentimento e de uma época. O casamento tinha sido cancelado. O Senhor Noivo tinha agora outra noiva. Lindo não? O que você diz? O que você diz especialmente senão fala direito com a pessoa há sete anos? 

Ela disse "Comam o bolo. Bebam a cerveja. Já ta tudo pago, foda-se". Sua mãe, correndo de um lado para o outro tentando não parecer chocada com a situação dizia: "Olha a boca Carolina!"  Ela fez dedo para a mãe e virou no gargalo, quase metade de uma garrafa de vinho. Eu estava meio apreensiva. Não queria ir falar com ela. Pelo simples fato de que quando estamos mal, queremos alguém que nos faça bem por perto. Eu acho que não fazia muito bem pra ela. Foi até a mesa dos salgados, ela estava escolhendo alguns. Nossas mãos se cruzaram em certa hora. Nossos olhos logo depois fizeram o mesmo. Ela  deu uma risada fraca. Eu retribui. 

Baixei os olhos rapidamente e segui, sentando sozinha em um banco mais adiante. Carolina veio atrás. Sentou-se e passou a garrafa de vinho para mim, eu virei um pouco e devolvi para ela, que terminou de virar o resto da garrafa. Eu fiz um brinde imaginário com meu copo de cerveja. Ela acenou.

- Sabe aquele cara que a gente ficou? Há uns sete anos atrás? - Ela começou, olhando para frente, e não para mim. - Um babacão. Igual esse que acabou de me deixar. Na verdade eu te fiz um favor.

Eu sorri. Dei uma golado no meu copo e concordei com a cabeça.  Eu poderia ter alongado o assunto. Mas esse era um caco que eu não estava a fim de desenterrar. Esperei um tempo, e despretensiosamente disse:

- Sabe aquela boate que a gente ia no centro?  Vai fazer uma festa de "remember". Bora?
- Partiu.