Como naquele filme do Bertolucci

Foto: Isabella Mariano
Deu partida no carro. Rua escura, farol aceso. Passou a primeira, a segunda marcha. Virou à terceira esquina. Pegou o retorno, enquanto se despedia mentalmente do que acabara de vivenciar. Sabia que, uma hora ou outra, independente do que fizesse, as coisas voltariam a parecer deprimentes. "A vida tem mecanismos que funcionam alheios a nossa vontade". Tinha essa teoria.

Há universos paralelos dentro deste mesmo universo, você costumava dizer. E explicava que nós os experimentávamos quase que cotidianamente. Era como naquele filme do Bertolucci que você assistiu aos 14 anos. O mundo estava um caos, um desastre rumo a autodestruição, mas aí - de repente - tudo fica bem. E você se junta a seus amigos e não consegue fazer outra coisa se não rir, enquanto sente que seu coração vai explodir de tanto amor.

E não havia por que se culpar dessas coisas. Você entendia muito bem que esse era o rumo natural da vida e que perdia quem não se entregasse de coração a esses pequenos flashes do paraíso. Qualquer coisa de incrível acontecia quando as almas se encontravam. E isso era como um coma. Em algum momento, você se lembraria da constante e crescente miséria do mundo e se entristeceria por isso. Como o fez centenas de vezes.

Sentindo o peso da existência, tentaria reagir. Faria uma passeata, quebraria uns vidros, xingaria, discorreria sobre este ou aquele tema. Escreveria poemas, faria tatuagens, tomaria um porre de vodca. Mas, aí, de repente, você encontra alguém - ou alguéns - que só te faz pensar em como a vida pode ser incrível. Em como existem pessoas maravilhosas. Em como há esperança. E fica submersa num mundo utópico, cheio de esperanças e amor.

Eram mais de duas horas da madrugada e você estava sem o documento do seu carro. Ele estava em algum lugar, mas não com você. Então, tinham uns carros da polícia e alguns policiais fechando a pista. "Merda!", pensou. Saiu, em segundos, do seu universo paralelo, lembrando das leis, das punições e dos medos que regiam um dos mundos no qual você vivia.

Desacelerou, olhou para frente e passou devagar, na expectativa de que esse universo colaborasse com você. "Estou chegando em casa, vai", como se pudesse convencer o destino. E foi aí que, de repente, estava em casa, preparando-se para mais uma noite de sono.

Por alguma razão que desconhecia, o universo resolveu colaborar. Dessa vez.