Ri de mim mesma enquanto caminhava até o detector de metais no aeroporto. Não ia ter flores para mim hoje. Sem pedidos de desculpa também. Sem cartas de despedida. Não, nada de grandes cenas. Não tem ninguém esperando eu ligar, nunca tem. Ninguém vai correr no aeroporto no último minuto antes do avião decolar. E depois que eu estiver a quilômetros de distância, não vão olhar para uma foto, antiga, colocando sobre o peito e lamentando minha partida.  Ai, as fotos...eu não vou rasgar fotos.  Jogar  mala no meio da estrada depois de uma briga homérica. Não vou desligar na cara, cuspir pra frente, não, nada. Sentada no banco do avião eu pensei em todos os grandes amores que presenciei ou ouvi falar.  Pobres coitados. Acham que acabar um relacionamento é a pior coisa que pode lhes acontecer. Para eles pode parecer estranho, mas eu gostaria de chorar pela perda de um grande amor. Porque sinceramente, chorar pela falta já me basta.

Tinha 16 anos quando o conheceu. Ele,  futuro arquiteto. Ela, estudante profissional. Vivia sem saber exatamente o que fazer da vida. No dia, ele a deixou em casa "de ônibus", mesmo tendo que voltar para o outro lado da ponte depois. O amor encontrou raízes em dois corações. Mas, infelizmente, disseram pra ela que eles não podiam ficar juntos. Era pecado. Uma dor calou o sentimento, tentando cortar as raízes que já haviam crescido deliberadamente. Anos depois, percebeu. Coração fértil faz o amor brotar de novo e sempre. Hoje, o arquiteto vive feliz há mais de mil quilômetros de distância dela. Volta e meia, reencontram-se e, por e-mail, dizem um ao outro "eu te amo". Regada diariamente, a amizade continua a florescer.

Eu cheguei nesta escola nova e tudo era pior que minha escola antiga. O espaço era menor, a quadra estava velha, a cantina não tinha sorvete e algumas salas nem tinham ventilador! Eu disse para o meu pai que queria mudar de escola porque eu tinha estudado seis anos na mesma. Foi uma decisão que tomei em segundos, e naquela hora pareceu que tinha sido péssima. Mas, ao contrário das expectativas, eu conheci muitas pessoas transformadoras.

Eu demoro muito para perceber que uma pessoa não é muito querida pelas outras porque afinal de contas eu demoro muito mesmo para ter algo contra alguém. O Luis era muito alto pra idade, não tinha muitos amigos e ficava bem quieto nas aulas. Mas ele era tão engraçado e atencioso quando estava perto de mim que eu não consigo acreditar que as pessoas achassem ele realmente chato. “Pera ai.Vocês já pararam pra conversar com ele?” Eu perguntei um dia, tentando entender.Alguns riram, alguns ficaram quietos, mas alguns disseram, nas entrelinhas e com um ar típico do deboche adolescente: “Ele é gay”.

Eu tinha treze anos e claro que sabia o que isso significava. Mas a parte que eu não entendia era a preocupação das pessoas com isso. “Ta, mas e dai?” Eu respondi realmente intrigada. Se ele fosse o tipo que bate em crianças, xinga velinhas ou não passa cola na prova talvez eu também ficaria com raiva, mas quem ele achava bonito ou deixava de achar não era bem problema meu.

Na época, ele me disse que era mentira.Que as pessoas inventaram que ele era gay, só porque ele nunca tinha ficado com ninguém. A resposta era bem plausível, já que na hipocrisia ambulante que uns chamam de ensino médio e outros chamam de vida inteira, os meninos nunca são “BV” e as meninas nunca “pegaram” mais de três pessoas. Realmente, do jeito que ele era tímido, eu imaginei que ele tivesse dificuldades de iniciar uma conversa com uma menina.

Durante anos ele foi um dos meus melhores amigos.Um amigo para os dias bons, mas principalmente para os dias tempestuosos. Eu vi ele ir conseguindo se enturmar com outras pessoas, perder um pouco a timidez e até namorar. Com uma menina. Quando eu voltei para minha antiga escola, ele voltou também. Nós tiramos as nossas piores notas nessa época. Eu me apaixonei de quase morrer, e me recuperei. Nós fomos nos primeiros “rocks” juntos e choramos juntos na formatura do terceiro ano. E essa loucura do mundo fez cada um ir para o seu canto depois. Fazendo suas coisas. Saindo com novas pessoas. Tomando um rumo e perdendo tantos outros.

E um dia como os outros eu vejo ele no shopping. Com roupas apertadas e cabelo liso jogado para o lado com umas mechas coloridas e gestos espalhafatosos. O grupo dele chamada atenção onde passava e ele estava lindo. E estava de mãos dadas com um dos meninos. Eu dei um “oi” radiante. Luis não retribuiu. Baixou os olhos. Mexeu no telefone. Fingiu que não era com ele. Eu morri de raiva. Fechei a cara e pisei fundo. Absurdo, absurdo! Eu sempre fui amiga dele, ouvi tudo.

Eu não sabia o que mais me deixava chateada. O fato dele não ter falado comigo, ou ele não ter me contado sobre sua sexualidade. Olhei mais uma vez para trás, só para ver a cara de pau dele. Nessa hora, um grupo e meninos vestidos de preto passou pelo grupo dele. Eles riam faziam assobios e gritavam “Menininhas lindas, heim?” Batendo palmas e pisando forte. Se afastaram, calando o outrora alegre grupo. Eu gelei. Me senti pessimamente egoísta. Porque era exatamente assim que eu tinha sido.

Pensei em todas as zoações na escola.Nos apelidos e brincadeiras de mal gosto. Nas vezes que eu defendia. E nas vezes que eu, ser humano que sou, ria. Pensei na força de vontade de luis e em todos os problemas que ele tinha, e que somado a negação de quem ele realmente era, deviam parecer infinitamente maiores. Foi embora do shopping. E embora eu tenha encontrado com ele outras vezes, eu não ousei cumprimentar. Quem se sentia culpada agora era eu.

Outro dia, também bastante comum, eu vou aquele clube de sempre. Pessoas de todos os tipos. Meninas de cabelo raspado, homens com cabelo colorido. Ninguém achava estranho. ninguém tirava sarro. Até tinha alguns babacas enrustidos, mas era fácil de ignorar. Lá estava Luis. O grupo dele faria uma das senhorinhas da igreja do nosso bairro desmaiar. E meu grupo também não ficaria muito atrás. Ele veio, deu um sincero “oi” e perguntou, como tivéssemos ido ontem a um dos rocks de sempre: “Você tem um isqueiro?” Eu sorri. “Tenho”.

O que tem de bom pra fazer no seu bairro?, você perguntou, noutro dia. Parecia interessado. Parecia querer saber. Eu disse que não tinha nada. Bares e praias como em qualquer outro lugar. Nada demais. Eu não disse, na verdade. Eu te escrevi. Você estava em outra cidade e só nos restava os pixels da comunicação online.

Talvez, tenha me enganado quando deduzi que você estava interessado, mas você pediu meu número de telefone e isso quer dizer alguma coisa. Não? De qualquer forma, você disse que queria poder dormir comigo naquela noite fria. E isso, definitivamente, quer dizer alguma coisa.

Parece tão surreal quando, assim, a gente diz as coisas online, né? Acho que foi por isso você quase não acreditou quando eu disse que estava na sua cidade, no seu bairro. Não fui por você, mas sabia que estaria por lá, então, avisei. "Daqui a pouco chego aí", você respondeu.

Incrível como sua cidade é inspiradora. Alto da noite, você me viu. E eu te olhei. A gente sorriu e disse ei, tudo bom, legal aqui né, escrevendo muito?, vou ali.

O lugar não era grande, então toda hora a gente se encontrava e dizia as mesmas coisas. "Demais esse lugar, né?".

Até que o álcool me deu a coragem necessária e te chamei pra ir caminhar na praia. Já eram quase seis horas da manhã e o sol raiava meio tímido por trás das nuvens, naquela manhã cinza e fria. Parecia algo que eu gostaria de ver.

Quando você disse que era melhor não, eu entendi. Tinha outra pessoa, em algum lugar. Talvez, ali. Talvez, não. Mas tinha. Eu sorri e quase disse o quanto eu te achava bonito.

Mas não disse. Peguei minha cerveja e decidi não alterar meus planos. Saí à francesa para que ninguém me perguntasse pra onde ia e, ouvindo o som do amanhecer nas ondas que, com força e beleza, quebravam junto às minhas botas pretas, caminhei na praia sozinha.

Naquela hora, nada era mais bonito do que aquele momento entre eu e a imensidão do mar.

"Mas tudo bem
O dia vai raiar
Pra gente se inventar de novo
E o mundo vai nascer de novo"
(Cícero - Tempo de Pipa)
Arte por: Alice X. Zhang

Ela disse.

Estava sentada no granito frio e a luz do globo piscava ao longe a transformando em azul, verde, vermelho, amarelo e azul outra vez. A garrafa na sua mão estava quase vazia. Ele sentou-se ao lado dela e deu um sorriso fraco. A longneck dele estava quente, mas ele não tinha percebido.

- Que? Ele perguntou, percebendo que ela não estava mais prestando atenção nele. Era como se ela estivesse a quilômetros de distância.
 - Sim. Isso mesmo. Eu gostaria que minha vida fosse como um filme do Tarantino, mas é um filme da Sophia Coppola. E acho que foi por isso que eles não deram certo, afinal de contas. 
- Eles quem? Os filmes da Sophia?
- Não. Tarantino e Sophia Coppola. Eles namoraram, sabia? - Ela falou e deu mais uma golada. Eu gostaria de dizer que era um vinho, mas era Selvagem. - Eu acho que eu planejei a minha vida para ser um filme de Tarantino. É assim que eu me mostro para as pessoas. Mas eu não sou. Em um filme do Tarantino, as coisas acontecem o tempo todo. A pessoa mata, se muda de pais, cheira pó, dança, se vinga, corta cabeça, arranca olho, morre… E no final das contas, de um jeito ou de outro, tudo se resolve. Com a Senhorita Coppola não… Não tem nada acontecendo. A vida das pessoas esta normal,tem poucos problemas, mas elas de alguma forma enxergam uma bad enorme e sem resolução. Mas, o que elas fazem sobre isso? Nada! Elas passam o filme todo lidando com outras coisas e no final elas ainda tem o mesmo problema.

Ela jogou a cabeça para trás. A pista estava quase tão vazia quanto a garrafa. Ela se perguntava porque não tinha ido embora quando teve chance. Recusou uma carona para isso? Ficar jogada no fim de festa, fazendo esse cosplay de si mesma com quinze anos? Isso parecia mais deprimente que Lars Von Trier. As pessoas estariam se sentindo mal dentro do cinema. Algumas iriam embora. Outras diriam “É, a fotografia é ótima. A arte maravilhosa.” Mas na verdade elas estariam pensando: “Que bosta de roteiro! Quem quer ver uma vida chata dessas?”E ela se odiou por pensar em um diretor tão blasé. 

-Entendo. 
- Que fala péssima! Ela exclamou virando o resto da garrafa. Se isso fosse um filme e fosse um filme bom, você diria que é Melhor ser Sophia do que Wood Allen, onde ele tem uma vida ótima ai cava uma treta e depois fica na bad por uma coisa que ele mesmo buscou. Ou que por exemplo, não é um filme atual do Tim Burton, que quando você tira o cenário e a maquiagem gótica, não tem absolutamente nada. Mas não, você disse “Entendo”. Se levantou bufando. Ele continuou sentado. Ela olhou em volta. O lugar tinha muitas memórias e ela não se orgulhava da maioria. Mas o fantasma da nostalgia, que nos pega quando estamos frágeis, tinha a alcançado.

- Mas se isso fosse um filme massa mesmo, você teria chegado em mim, como a maioria dos caras fazem depois de chamarem uma menina várias vezes para sair. Ou eu teria percebido que você não queria nada comigo e teria ido embora com a minha carona. Na verdade, eu não teria gastado meu pobre salário nessa bosta de festa pra começo de conversa. - Ela parou. Ele estava imóvel. Ou talvez só muito chapado. - Droga!. Eu queria tanto ser a roteirista da porra da minha vida...


Decidi arrumar a casa, para o caso de você aparecer de surpresa. Enquanto guardava os livros na estante, lembrei do dia que a campainha tocou e eu não estava esperando ninguém e estava desarrumada e tinha olheiras. E era você. Visita ilustre. O dia tinha sido ruim, mas ele decidiu sorrir pra mim, quando você apareceu e entrou na minha casa - e na minha vida - sem pedir licença.

Coloquei o disco da Amy para tocar pouco antes de começar a varrer o piso de porcelanato da sala. Adoro aquela música, você sabe. Parei um pouco a faxina pra fumar um cigarro. Da varanda, notei o céu e lembrei daquela nossa teoria: "domingos são sempre nublados". Mesmo se o Sol estiver a pino, você completava. E eu ria, porque era verdade. Sempre foi.

Lembro que, naquele dia da visita surpresa, você veio me dizer que precisava dizer alguma coisa. E achei tão lindo o jeito com que você desviava o olhar e coçava a barba. Mas o que mais me tocou é que você não ligou para as olheiras, nem para o cabelo bagunçado. Você entrou e falou. Assim, na lata: "Fica comigo hoje, amanhã e depois?".

A visita surpresa trouxe a notícia surpresa de que o meu melhor amigo era, também, o meu amor. E eu decidi aceitar a ideia. Lembro que eu não era apaixonada por você do jeito que você era por mim. As músicas, os poemas. Você fazia eu me sentir a mulher mais amada do mundo.

"Será que hoje você vem?", pensei enquanto lavava os copos sujos e ouvia o refrão de "Love is a losing game", daquele disco que você me deu. Você me deu os dois discos da Amy e isso eu nunca vou ter como esquecer, já que eu não vou jogá-los fora só porque você me jogou.

No mesmo domingo da notícia surpresa, você me deu um beijo e foi embora. Não sei quando, você só foi e não me deu tchau. Lembro que fiquei com muita raiva e muito arrependida de ter cogitado a ideia de ficarmos juntos. Até que você me ligou e explicou. Veio com seu jeito poético dizendo que não queria se despedir, porque queria poder voltar sempre que quisesse. E pronto. Meu coração derreteu. Lembro bem.

Guardei toda a louça limpa e deixei que as lágrimas descessem. A casa fica vazia sem você. Mas eu me odiava por te esperar aos domingos. Eu me odiava por sentir a sua falta. E, como a Amy, chorei por você no chão da cozinha. O que eu estava fazendo, afinal?

Você foi embora. Estava em outra cidade, outro lugar, outro endereço. Você foi embora, como sempre, sem me dar tchau, sem deixar nem um número de telefone. Você saiu da minha vida da mesma forma que decidiu ficar: de surpresa.

E, enquanto chorava, cantei com a canção. "I couldn't play myself again / I should just be my own best friend / Not fuck myself in the head with stupid men"

Eu me odeio por arrumar a casa pra você, mas... Saudades.

Abri os olhos e já estava lá. Na casa dela. Parecia que eu conhecia tudo. O piso do quarto, a colcha da moranguinho, o furo na cortina… Tudo.  Olhei para as minhas mãos e essas sim pareciam novas. Não as conhecia. Eu queria um espelho. Queria ver meu rosto, saber como ele era. Eu sabia onde tinha um, mas eu não podia ir até lá enquanto ela estivesse dormindo. 

Ela acordou. Olhou de modo estranho para mim. Não pareceu assustada por ter uma pessoa que ela nunca viu na vida no quarto dela. Mas ela tinha cinco anos e nessa época a gente simplesmente deixa as coisas acontecerem. A gente acha que tudo é possível então tudo é. 

“Seu nome é Tayke?” Ela perguntou bem segura da resposta. Eu disse que sim. E que sabia o nome dela também. Ela disse que esses dias tinha me visto na rua. Que queria ser minha amiga. E eu pensava o mesmo. E disse isso também.  Ela perguntou se eu tinha outros amigos. Eu não tinha. Ninguém falava comigo. Era como se as outras pessoas não pudessem me ver.  Mas eu não quis contar isso pra ela. Ela não ia achar que eu era alguém legal se eu confessasse isso assim logo de cara. 

Então, eu falei que tinha, mas que eles moravam em outro país.  Ela adorou essa ideia. Falou que isso era bom, porque eu poderia ir visitar eles e teria uma casa pra ficar. Ela não sabia sobre transporte nem nada nisso. Onde ela queria ir, era sempre com os pais, no carro. Achava que era assim que funcionava. 

Eu não sabia quantos anos eu tinha, mas ela me disse. “Você tem 10 anos. Porque dez anos pode fazer tudo. Brincar na rua sozinho, ganha mesada e pode ver tv a hora que quer. Igual a Lara aqui da rua. Ela tem dez anos e a mãe dela deixa tudo.”  Eu me vi crescer. Fiquei quase o dobro do tamanho dela. Meu cabelo também cresceu e ficou bagunçado. Ela achou engraçado, riu muito. E eu também. 

Ela contou aos pais dela sobre mim. Disse que eu era muito legal e sabia todas as melhores brincadeiras e que eu ganhava mesada e que eu gostava muito de quiabo e bife de fígado e que por isso ela não comia. Para deixar pra mim. Eu achei ótimo que ela tenha dito, pois realmente adoro e não sei onde eu posso arrumar comida a não ser nessa casa. 

Um dia, ela disse para os pais dela que não queria ir na casa de uma tia por minha causa. A tia em questão dizia que ela "não era uma criança normal". Que ficava inventando histórias, pegando livros pelo canto (sendo que mal sabia ler) e que agora tinha até inventado um amigo. Um amigo! O amigo era eu. Fiquei realmente triste. Ainda não tinha contado pra ela que todas as outras pessoas não me viam, mas a tia dizer que eu não existia era um pouco demais, cara! A mãe dela fez o que pode. Fingiu ter uma dor de cabeça, disse que também não ia. Mas eu sabia, que no fundo, um dia, eu teria que dizer. 

Então eu disse. Nesse ponto, ela já tinha quase sete anos. Já sabia ler e escrever e estava adorando. Ela não tinha contado aos seus amigos da escola porque não queria que outras pessoas fossem meus amigos. Parece que ela era possessiva, mas digamos que eu sugeri isso, de leve, uma vez ou outra. Não me julguem, eu tinha que manter o segredo, ora bolas! 

Ela estava desenhando um homem com uma espada na mão e uma capa vermelha. Me disse que era o Rei Arthur. E que ele tinha sido o maior e mais justo rei que já tinha existido. Eu sorri. 

“Sabia que ele nunca foi rei, Juane?” Ela arregalou os olhos. Disse que tinha lido no livro. Que tinha visto nos filmes. "Nem tudo que está nos filmes e nos livros aconteceu. Mas você viu, não viu? Você gostou? Você falou e fez desenhos sobre? Então, mesmo que parece que não é verdade, é verdade pra você. E isso que importa". 

Ela parou de desenhar e ficou me encarando. “Acho que eu já sei a solução, Tayke!” Ela disse, como se realmente tivesse encontrado a resposta para a vida, o universo e tudo mais. Como se já soubesse, no fundo, o que eu ia dizer. Então, ela falou que sempre que ela encontrasse um jeito de melhorar as coisas, quando ela pensasse em uma pessoa que ela queria muito conhecer, um lugar muito bonito, ela ia escrever sobre. E, se muitas pessoas gostassem também, todos passariam a falar sobre isso e, de fato, a coisa passaria a existir! 

Eu não pude discordar. A ideia era perfeita. E, hoje, eu só posso estar aqui, narrando essa história porque anos depois ela escreveu um livro. Um livro onde eu sou um guerreiro, com cabelo azul e blusa do Pink Floyd. Um livro que ela não mostrou pra quase  ninguém, mas eu estou lá. 

E, por isso, eu posso, de longe, observar ela tentar resolver as coisas com letras colocadas em espaços em branco. Às vezes, é muito legal,  ler sobre castelos e teletransporte, mas às vezes é um pouco doloroso vê-a escrever, dia após dia, naquele tal de facebook: “Pra que tanto ódio, galera?”. E eu fico me perguntando, será que as palavras têm mesmo força? E se têm, será que elas  não migraram todas para o lado negro? Mas, o que importa eu achar isso?  Ninguém liga para o que digo. Eu só existo no papel. 
Foto: Isabella Mariano
Eu não escrevi nenhum poema quando te conheci. Pensei em usar isso como motivo. Afinal, escrever é o que mais amo fazer e o faço sem nenhum esforço. Como é que você não me inspirou o suficiente?

Bom, talvez, eu estivesse ocupada demais vivendo o que a gente tinha na época ou sei lá. Acontece que foram tantas coisas, tantas histórias, tantas pessoas envolvidas que fica complicado achar um motivo nessa altura do campeonato.

E é provável que, no fundo, você fique feliz ao me ver tomando essa iniciativa. A culpa será toda minha em terminar uma linda história de amor sem nenhuma razão. Você vai pensar isso, mesmo tendo plena convicção de que estava prestes a fazer o mesmo.

Pensando bem, seria um pouco perverso se você pensasse isso. Seria, enfim, a prova irrefutável de que o companheirismo haveria acabado entre nós. Mas isso nem aconteceu. Ou aconteceu? Talvez, acontecesse. Talvez, você fosse capaz.

Droga! Estar incerta sobre como você reagiria me faz deduzir o pior de você. Por quê? Não sei se quero deduzir o seu pior ou se, de fato, eu realmente acredito nessas possibilidades. Às vezes, eu acho que acredito e é aí que eu começo a pensar em uma justificativa para te deixar.

Mas, de repente, o meu telefone toca e, de novo, me pego te dando boa noite e dizendo 'eu te amo' mais uma vez. Meu Deus! Precisa ser simples. Não pode ser difícil, não entre nós. Seu olhar me acolheu e respeitou tantas vezes que eu preciso confiar que ele o fará novamente.

"Ei, meu bem. / Não, não foi nada é que / ... / A gente precisa conversar, te amo".

Ah, os finais. Eles acabam comigo.




 - Advogado!
 - Médica!
 - Empresária!
 - Engenheiro!

As mãos se agitavam no ar aflitas. Todas as crianças queriam falar sobre sua profissão dos sonhos. Os seus motivos e como iam conseguir. Quase todas as pessoas vão mudar de ideia. Onze anos não é bem uma idade propícia para escolher o que fazer para o resto da vida. Mas Clara sabia. Clara tinha certeza.

Ela lembrava, como se fosse hoje, de um fato ocorrido quando ela tinha sete anos. O.k, não é muito tempo, mas para uma criança era. Clara estava na casa do seu tio e seu priminho Pedro,  de três anos estava brincando com ela. A brincadeira consistia em colocar objetos com formas geométricas dentro de uma caixa com as formas certas. Simples. Mas não para uma criança de três anos. Seu tio, observando de longe a brincadeira, disse: “Clara, ensina o Pedro como é.”

Clara,sem saber porque, se iluminou com a possibilidade. Com calma, ela pegou um objeto redondo ( o que parecia mais fácil), mostrou as bordas para o primo, e logo depois pediu para ele apontar, na caixinha, qual se parecia com aquele. A criança pensou, pensou. Apontou para um buraco oval na caixinha. Clara arqueou as sobrancelhas e não disse sim, nem não. Pedro, parecendo entender, pegou o objeto redondo e colocou no lugar certo. Quando conseguiu,  ele deu um sorriso e seus olhos se iluminaram. Mas não tanto quanto os de Clara, que achou incrível ter conseguido ensinar isso para ele.

A partir dai, virou quase um vício. Sempre que via uma criança mais nova, ou alguém da sua sala com dificuldade, ela se aproximava e tentada ajudar. Para ela, ensinar significa passar conhecimento. Mostrar pra uma pessoa, que ela pode fazer isso também. Clara tinha a ideia fixa de que todo mundo pode passar alguma coisa. Só que umas pessoas nasciam com essa vontade insaciável de acumular conhecimento e passar adiante.

Quando a professora perguntou a profissão, ela já saia exatamente o que responder. Mas a euforia na sala era tanta,que ela preferia observar os colegas. Conforme as pessoas iam falando, clara observou que ninguém tinha dito professor ou professora. Mas era de se esperar. O que se ouvia sobre a profissão não era bom. Não da dinheiro. Ninguém reconhece. Trabalha muito. Não descansa.

Um dos mais empolgados, queria ser engenheiro civil. “Igual meu pai. Quero construir casa, prédios, ruas, transformar nossa cidade num lugar moderno, tecnológico” Todo mundo parecia bem empolgado com a profissão. Alguns até começaram a comentar como devia ser legal. Mas Clara não titubeou nem por um segundo.

Ao final da aula, Clara esperou todos saírem e se aproximou da professora, que arrumava os trabalhos na mesa.
- Professora, eu queria falar que quero muito, muito mais do que meu amigo.
- Como assim Clara?
- Eu não quero construir casas e deixar a cidade mais bonita. Eu quero construir pessoas, e deixar o mundo melhor. Igual a senhora. A professora sorriu.
- Você vai ser uma ótima professora Clara.
Os olhos de Clara se iluminaram diante da aprovação da ídola. Mas não tanto quanto os da professora, que tinha certeza que estava realizando o sonho de infância.
Mudando a vida de alguém.