Quando você vem?



Decidi arrumar a casa, para o caso de você aparecer de surpresa. Enquanto guardava os livros na estante, lembrei do dia que a campainha tocou e eu não estava esperando ninguém e estava desarrumada e tinha olheiras. E era você. Visita ilustre. O dia tinha sido ruim, mas ele decidiu sorrir pra mim, quando você apareceu e entrou na minha casa - e na minha vida - sem pedir licença.

Coloquei o disco da Amy para tocar pouco antes de começar a varrer o piso de porcelanato da sala. Adoro aquela música, você sabe. Parei um pouco a faxina pra fumar um cigarro. Da varanda, notei o céu e lembrei daquela nossa teoria: "domingos são sempre nublados". Mesmo se o Sol estiver a pino, você completava. E eu ria, porque era verdade. Sempre foi.

Lembro que, naquele dia da visita surpresa, você veio me dizer que precisava dizer alguma coisa. E achei tão lindo o jeito com que você desviava o olhar e coçava a barba. Mas o que mais me tocou é que você não ligou para as olheiras, nem para o cabelo bagunçado. Você entrou e falou. Assim, na lata: "Fica comigo hoje, amanhã e depois?".

A visita surpresa trouxe a notícia surpresa de que o meu melhor amigo era, também, o meu amor. E eu decidi aceitar a ideia. Lembro que eu não era apaixonada por você do jeito que você era por mim. As músicas, os poemas. Você fazia eu me sentir a mulher mais amada do mundo.

"Será que hoje você vem?", pensei enquanto lavava os copos sujos e ouvia o refrão de "Love is a losing game", daquele disco que você me deu. Você me deu os dois discos da Amy e isso eu nunca vou ter como esquecer, já que eu não vou jogá-los fora só porque você me jogou.

No mesmo domingo da notícia surpresa, você me deu um beijo e foi embora. Não sei quando, você só foi e não me deu tchau. Lembro que fiquei com muita raiva e muito arrependida de ter cogitado a ideia de ficarmos juntos. Até que você me ligou e explicou. Veio com seu jeito poético dizendo que não queria se despedir, porque queria poder voltar sempre que quisesse. E pronto. Meu coração derreteu. Lembro bem.

Guardei toda a louça limpa e deixei que as lágrimas descessem. A casa fica vazia sem você. Mas eu me odiava por te esperar aos domingos. Eu me odiava por sentir a sua falta. E, como a Amy, chorei por você no chão da cozinha. O que eu estava fazendo, afinal?

Você foi embora. Estava em outra cidade, outro lugar, outro endereço. Você foi embora, como sempre, sem me dar tchau, sem deixar nem um número de telefone. Você saiu da minha vida da mesma forma que decidiu ficar: de surpresa.

E, enquanto chorava, cantei com a canção. "I couldn't play myself again / I should just be my own best friend / Not fuck myself in the head with stupid men"

Eu me odeio por arrumar a casa pra você, mas... Saudades.