Peças com defeito


Juane Vaillant

A cabeça pesada era uma constante. Talvez, fosse realmente alguma doença. Em igrejas, consultórios médicos e almoços de família, ela ouvia, desde muito nova, que havia algo errado com ela. Com o tempo, ela se convenceu de que, fosse o que fosse, eram impossível de mudar.

O grande problema é que ela não sabia exatamente o que era. A cabeça doía de tempos em tempos. A dor começava na região dos ouvidos e ia se espalhando pela parte de cima, trazendo a sensação de que todos os seus neurônios estavam se mexendo. As lágrimas também estavam sempre ali. Um formigamento que se alojava na parte da frente dos olhos e puxava aquele líquido constrangedor para frente. Envergonhando a menina e encabulando os de fora.

Resolveu que ia procurar um médico novamente. Agora por conta própria. Talvez, não um médico convencional. Um psicólogo, um curandeiro, quem sabe?

Andou pelas ruas a esmo. Queria um cartaz, um folheto, uma placa de neon, algo que indicasse uma direção. Se viu caminhado por horas, ultrapassou a estrada habitual. Chegou em uma estrada de chão. Esse letreiro de tinta chamou atenção. “Consertamos  disco voador.”  Entrou. Com medo do que podia ouvir.

Uma das lembranças mais sólidas da sua infância era um médico que disse que ela precisava de “surra”. Talvez, se ela se comportasse, fosse mais obediente, isso ia passar. Quando grande, sempre a aconselhavam parar de se preocupar. Parar de carregar a dor dos outros. Para de se importar. Apenas parar.

Embora ela não precisasse ouvir essas coisas. Já culpava a si mesma por tudo, sem precisar de avisos externos. Ela fez as escolhas. Ela disse “sim” quando deveria ser “não”. Mas principalmente ele disse “não” todas as vezes em que deveria ter dito “sim”.

Dentro da casa, que era mais conservada do que ela imaginou, avistou uma senhora, em uma cadeira de balanço velha, brincando com um cubo mágico. Seu semblante era sereno.

- Olá, a senhora é a dona aqui?
- Sim, minha filha. Sua voz era rouca, porém firme.
- E você realmente conserta discos voadores?
- Pois bem… - Ela falou, tirando os olhos do cubo pela primeira vez.  - Muitas vezes eu ouvi que não pertenço a este lugar. Que seja o que for que eu estiver fazendo, não está bom. Não está certo. Desde então eu estudo tudo que posso sobre discos voadores. Seus materiais, resistência, mecanismo… Então, se algum dia alguém aparecer aqui com um disco voador quebrado, eu terei alguma chance de ir para onde quer que seja.
- Desculpe, eu não tenho um disco voador.

- Ah, eu sei. - A senhora levantou, pegou dois copos e uma garrafa térmica e voltou a se sentar na cadeira de balanço. - Pode sentar minha filha. Vamos conversar. Qualquer pessoa que se interesse por discos voadores não está muito satisfeito com essa realidade pobre que mostram pra gente.