Mão a mão


Engraçado como seu corpo reagia quando ficava desse jeito, sem graça. Ajeitava centenas de vezes o cabelo desajeitado atrás da orelha. Olhava pra baixo, desviava o olhar. Sorria, quase com medo. Eu sabia. Ela queria pedir desculpas pela noite passada, por ter bebido demais e ter dito aquelas coisas. Ela queria dizer que me amava, naquele exato instante.

Achei bonito aquele esforço pessoal para dizer o que queria, então não atrapalhei. Fiquei observando as mãos inquietas. Os silêncios desconfortáveis. Os rodeios que ela fazia enquanto falava sobre o dia em que nos conhecemos.

Tinha qualquer coisa de doce. Não tem como lembrar de Ana de outra maneira. Nem poderia, seria injusto. Com ela, com a memória, comigo. Eu sabia como era horrível pra ela ter que dizer algo, pedir desculpas e esse tipo de coisa que é preciso fazer para que fique tudo bem. Mas, confesso, na maioria das vezes, eu não fazia questão de que dissesse. Mas ela fazia. Ela se desafiava.

Toquei-a. Mão a mão, não há outra escolha. Ela encolheu os ombros como se tivesse ficado mais sem graça ainda depois do meu gesto. Éramos cúmplices, então sabíamos. Tocar-lhe a mão era a minha maneira de dizer.

Disse que estava tudo bem, que ela não tinha com o que se preocupar, que eu também a amo e que o depois sempre fica mais leve com esse sorriso sincero e bonito às oito horas da manhã. Que eu a perdoava e que ela precisava se perdoar, também.

Não disse, na verdade, assim com palavras, como ela insistia  em fazer sempre. Mas ela ouviu o meu toque. Ouvia sempre. E sorriu. E suspirou. E sentiu-se aliviada. E me abraçou. E, naquele instante, a gente se amou um pouco mais.