Os olhos de Sara


Eu conheci a tristeza há muito tempo atrás. O nome dela é Sara Dias Guimarães de Andrade e ela morava há duas quadras da minha casa. Eu tinha sete anos quando a professora pediu a atenção de todos para apresentar nossa nova colega de classe. Sara Dias Guimarães de Andrade. Nunca tinha ouvido um nome tão comprido.

Sara gostava de brincar sozinha e de passar boa parte do tempo fazendo rabiscos num caderno com que vivia abraçada. Nunca tive muito interesse em conhecer Sara, na verdade. Eu preferia correr e jogar bola e me sujar na grama e me ralar na calçada de concreto.

Um dia, minha mãe disse que iríamos visitar o meu avô. Eu não queria ir, porque os garotos da rua inventaram de andar de bicicleta na pracinha naquele exato dia. Mas ela sabia como me convencer e prometeu que voltaríamos antes do anoitecer e, assim, me deixaria ir brincar com os outros. "Sendo assim, sim", lembro de ter respondido e arrancado algumas risadas dela.

Quando cheguei, meu avô estava sentado, solitário, no fim da sua enorme varanda. Me deram maçã e depois refrigerante. Perguntei se tinha como assistir algum desenho animado na tevê, mas parece que não dava pra fazer isso.

"Querido, vá falar com seu avô". Achava chato essa coisa de ter que fazer tudo o que me pediam, mas já estava acostumado. Fui até o velho que balançava suavemente em sua cadeira. Parecia confortável e carregava um leve sorriso no canto do rosto. Ele me perguntou se estava tudo bem, se eu estava sendo bonzinho, se eu estava com saudades. Balancei a cabeça, querendo dizer sim a tudo, mas sem, contudo, dizer uma palavra.

E foi aí que ele começou a chorar. Na época, poucas vezes tinha visto um adulto chorar. Ainda mais assim, tão sinceramente, como quem queria ser visto. No alto dos meus oito anos, é claro, me reservei o direito de não entender nada e voltei para o meu copo de coca-cola.

Na volta, insisti para que minha mãe me deixasse brincar um pouco no parque da pracinha. Fui direto para o escorregador e, quando terminei de subir a pequena escada, avistei os cabelos bagunçados de Sara. Brincava sozinha com alguns baldes na areia. Sorria e parecia estar feliz, imersa no seu mundo solitário.

Sem desgrudar os olhos de seus dourados cachos, sentei para escorregar. Nesse instante, os olhos de Sara encontraram os meus. Ela sorria, mas dizia alguma outra coisa no olhar, alguma mais profunda, mais dolorida. E, então, como num passe de mágica, pude entender o que tinha acontecido.

Meu avô estava morrendo.

Corri de volta pra casa e chorei muito. Abri um berreiro, como a criança que era. Não entendia muito o significado da morte, nem o que isso significaria pra minha vida, mas de alguma forma o olhar de Sara me fez perceber exatamente o que eu estava sentindo. Aqueles foram os meus únicos segundos com ela.

A lembrança do seu olhar ainda me norteia sempre que preciso.