O fotógrafo de cães - Parte I


Só terminar de regular o obturador e pronto. Click. Não, não. Vamos de novo. Click, click, click, click. Essa merda de profissão é superestimada.

- Então, você é jornalista?
- Não, agora trabalho como fotógrafo, na verdade.
- Ah, que incrível. Será que posso ver algum dos seus trabalhos?

"Não, não pode", pensava. Mas dizia que podia, óbvio, claro, com toda a certeza. Porém, nunca chegavam a ver. Era quase um disfarce que eu utilizava pra impressionar mulheres 10 anos mais novas do que eu nas mesas de bares ou bancadas de botecos.

Fotos de cachorro. De fato, a fotografia é superestimada em todos os sentidos. Especialmente, a profissão-fotógrafo. Culpa dessa coisa que inventaram chamada "olhar fotográfico". De alguma forma, se você é fotógrafo - ou pelo menos acredita fielmente nisso - as pessoas vão sempre pressupor que você tem o tal, o desejado, o imprescindível "olhar fotográfico".

Como seria o "olhar fotográfico" de quem faz fotos de cachorros para uma coluna sobre animais de um jornal de bosta? Não sei. Nos primeiros anos, eu até conseguia conciliar alguns projetos bacanas (eu achava) com meu expediente na redação.

Fotografei mulheres nuas que tinham acabado de vencer o câncer de mama. Depois, durante uma passagem pela Bolívia, fiz uma série de fotos sobre o cotidiano de uma comunidade indígena. E, claro, fiz fotos clichês no deserto de sal que todo mundo falou que eram incríveis e maravilhosas. Já eu não as achei muito diferente das que encontrei numa busca rápida pela internet.

Eu, como basicamente todo fotógrafo apaixonado, acreditava que meu trabalho poderia, de fato, causar mudanças significativas no mundo. Não sei em que momento ou o que desencadeou o início do meu quase-desprezo pela fotografia. Eu achava que, com o tempo, o trabalho na redação seria menos massante e eu poderia, cada vez mais, dar espaço e tempo para minhas ideias e projetos pessoais.

Acontece que eu me enganei. Quanto mais eu me disponibilizava a fazer horas extras e a cobrir esse ou aquele fotógrafo que estava doente ou de licença, menos vontade eu tinha de me dedicar àquelas ideias repentinas que surgem bem no meio do caos urbano. E também eu tive um filho. Helena engravidou quando eu tinha 32 anos. Depois de cinco anos juntos, parecia que era a hora de isso acontecer.

E aí a minha relação com a fotografia desandou de vez.