Contando com a palavra

Acordei com um sobressalto. Ela estava me encarando. Como quem desafia. Como quem pede satisfação. Com seus olhos de cigana, obliqua e dissimulada. Não sabia que era obliqua. Mas dissimulada eu sabia. A Palavra sempre me persegue. Mas como somos velhas conhecidas, não entro no seu jogo tão facilmente.

Me levantei, escovei os dentes, tomei banho, segui minha rotina deixando ela de lado. Mas outra coisa que sempre está na minha rotina e o ato de estabanar-me. Sempre deixo alguma coisa cair, tropeço, erro o que ia pegar, e por ai vai.

Numa dessas, abri a gaveta com força demais. Caiu tudo que estava dentro. Um pente velho, um óculos de sol, a caneta que eu estava procurando e um diário bem velho.

Guardei a tralha toda e me demorei no diário. Ele estava recheado. Muitas cartas, laços de fita, convites, grampos, papeis de bala, fotos e tudo mais que eu achava importante na época, e que tinha colocado ali dentro.

fui folheando o diário com cautela para não deixar o apanhado de coisas caírem. Ai lá estava, escrito com meu garrancho habitual: “ As pessoas me perguntam que profissão eu quero seguir, eu digo várias coisas. Jornalista, atriz, Diretora… Mas nunca digo escritora. Nunca falo." Era só isso, não tinha explicação, não tinha "por que", nada. Mas acredito que ser escritora era algo tão distante pra mim. Uma palavra tão forte e ao mesmo tempo tão rasa, que eu não conseguia dizer.

Mas a Palavra continuava do meu lado, me cutucando. Me pedindo uma resposta.

Se pudesse dar uma, diria que não sou escritora mesmo. Sou boa de prosa. Contadora de história. Porque a prosa pra mim, é muito mais do que um paragrafo alinhado em baixo do outro. No que um começo meio e fim com um bom clímax. A prosa ta na rua. Nas pessoas que conversam no ônibus, nos casos contados pelos amigos, na propaganda de hidratante, dentro de casa.

Para mim escrever é mais do que formar frases, pieguices a parte, me considero escritora quando me preocupo menos com as mazelas da vida, por enxergar nelas, a possibilidade de uma bela história a ser escrita.

Satisfeita Palavra? Posso dormir em paz?
Não, claro que não. Você sempre quer mais.