Prosa e poesia, poesia e prosa



Quem foi que disse que poesia é o contrário de prosa? Quem, inocentemente, afirmou que elas se contrapõem? Não sei quem foi que começou essa calúnia. "Lugar de poesia é na calçada", cantou o maldito compositor. É, sim! Lugar de poesia é nas esquinas ébrias com seu poder de sedução; nos becos sombrios, no asfalto batido, velho... É no ônibus lotado, no entardecer mais cedo, sereno. No fim de expediente cheio de conversas numa mesa de bar. Ah, no me perder nas horas, achando que o fim nunca chegará...

Lugar de poesia é, então, no levantar do punho, no dia da eleição. É no tropeçar no escuro, no levantar sem chão. É na feira agitada, com peixe baratinho, maracujá e limão. É no chegar em casa, no abraço apertado, no ver um filme bom. E, ai meu deus, por que não pode ser também na prosa, assim mesmo, quebrando a rima respeitosamente, sem se preocupar? Na prosa do dia a dia, naquele papo gostoso com a vizinha, naquela conversa fina, rala, dentro do elevador. Ah, vai, por que não?! Naquele conto do porteiro, nos casos da tia que perdeu os documentos na padaria e, por sorte ou por azar, no outro dia estavam no mesmo lugar.

Enfim... Insisto, teimosa: há, sim poesia na prosa. Nas palavras que dançam para lá e para cá, tentando nos contar aquela crônica, aquela lição que a gente esqueceu de aprender com a poesia da calçada. E apelo pro desejo de liberdade com o qual todos nascemos: pra que se prender nessa objetividade que é ter que nomear e classificar todas as coisas? Talvez, possamos dizer que é uma crença minha, caso vocês discordem muito de mim. Para que, assim, eu possa me apegar a esse meu credo e, como uma poeta ferrenha, dizer que, bom, eu acredito muito que a poesia está, também e inquestionavelmente, na prosa!

moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia

vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia
- leminski